terça-feira, 27 de maio de 2008

Vamos andar na contramão?

Está cada vez mais comum ver paulistas trafegarem na contramão nas rodovias da cidade. Hoje uma mulher de 27 anos, em um acesso de loucura, trafegou, às 5h30, no sentido contrário da Avenida Pedro Álvares Cabral.

Isso me faz lembrar o livro Sombras de Reis Barbudos, do escritor goiano, José J. Veiga. Uma insólita história em que o “poder do estado” impunha tantas proibições aos habitantes, que estes, como o último recurso de libertação, começaram a voar.

Em São Paulo, parece que está acontecendo o mesmo. Um trânsito impraticável que obriga as pessoas a criarem um jeito bem particular de se livrarem do transtorno. Outro caso foi de uma senhora que percebeu que estava sem dinheiro para pagar o pedágio e resolveu voltar na contramão. Simples assim. Já pensou, se isso acontecesse no Rio de janeiro, em plena Ponte Rio-Niterói? A senhora poderia optar em jogar o carro n’água e voltar remando.

A vida urbana vai forjando um comportamento com base nas necessidades premente do indivíduo. Com a sua grande capacidade de se adaptar, o homem da cidade molda-se às novas exigências. O barulho de carros e buzinas viram música; o ar poluído, uma brisa fresca; e a violência, uma abelhinha com que se convive.

Se por um lado, essa capacidade de adaptação pode ser vista como uma qualidade humana, por outro, revela a vulnerabilidade com que somos sujeitados. Na maioria das vezes, fazemos tudo inconscientemente, sem nos darmos conta do caos efervescente em que estamos inseridos.

Quem nunca quis parar, e falar: chega! Não quero mais viver nesse ritmo frenético, nesse batidão, nesse vuco-vuco! Por que precisamos viver assim? Queimando gasolina todo dia. Almoçando em fast-food. Entrando em filas. Correndo pra cá, pra lá. Fugindo do assaltante. Dormindo tarde. Acordando cedo. Endividando-se.

É óbvio que a resposta emerge da necessidade de sobrevivência. Essa é a condição, o preço que o cidadão tem de pagar para sustentar a sua família, uma vez que as boas oportunidades, os bons empregos, os bons salários, os bons shoppings, as boas escolas, os bons hospitais, os bons cinemas e etc. encontram-se nos grandes centros.

Mas será que não existe vida inteligente fora das grandes capitais? Acredito que sim. Não só inteligente, mas também melhor, mais saudável e, provavelmente, mais rica e com mais qualidade. E a idéia de sair dos grandes centros urbanos, está muito mais fácil do que antigamente. Hoje, há muito mais cidades com boa estrutura, no interior do Brasil. Quando bem administradas, oferecem excelentes serviços, tanto público como privado, com custo de vida mais em conta.

Se olharmos ao redor do local em que vivemos, vamos encontrar meia dúzia de cidades interessantes, a alguns 200 ou 500 quilômetros de distância – com internet, telefone e um bom transporte intermunicipal, nem vai parecer tão longe assim. Nelas, também vamos encontrar histórias bem sucedidas de moradores que optaram em fugir do caos urbano e viver uma vida mais pacata.

Contudo, mudança de vida sempre será um tema muito delicado e controvertido de ser abordado. Tange no sonho de cada indivíduo, suas perspectivas e expectativas de um futuro promissor, como, por exemplo, obter o sucesso profissional, uma casa, um carro, ter filhos em boas escolas, ir ao cinema, bares e ao jogo do seu time do coração.

Essa é a estrada pela qual a maioria das pessoas insiste em trafegar, como no trânsito congestionado de São Paulo, em hora do hush. Seguem com a cabeça no sonho, mas com os pés fincados numa realidade que lhe cobra muito alto por tão pouco benefício. Talvez esteja na hora de seguir na contramão e acreditar que é possível tocar a vida sobre uma avenida sem engarrafamentos, muito mais ampla e livre.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Educação e pobreza

Não é muito difícil encontrar, no Brasil, bons e fortes indícios para acreditarmos que existe uma relação direta entre educação e pobreza. Um deles pode ser claramente notado no grau de escolaridade colhido nas classes dominantes e nas menos favorecidas.

Isso já nos remete à percepção de que a ascensão social se faz habitualmente, porém não exclusivamente, através da educação. Todavia, a cerne da questão está além da simples constatação. Está, talvez, em saber qual a melhor forma de dar educação aos pobres.

O competitivo mercado de trabalho, acirrado pela promoção do profissional super-qualificado, segrega aqueles que estudaram menos e beneficia quem pôde investir na formação. Isso, obviamente, impacta diretamente nos salários e, conseqüentemente, no padrão de vida do trabalhador.

Nas periferias e nos bolsões de miséria brasileiros, é comum ver jovens abandonarem – ou nem chegarem a freqüentar – salas de aulas. São, desde cedo, arremessados para o “batente” – na maioria das vezes pelos próprios pais. Eles ingressam em subempregos e em frentes de trabalho de baixa exigência técnica, como o mercado informal.

Quebrar essa cadeia, esse círculo vicioso, aparentemente sem saída, constitui-se o desafio de todos os envolvidos neste processo; quer seja, o poder público, a família, a escola, e principalmente, o próprio jovem cuja condição de vida não lhe permite vislumbrar um futuro de expectativas animadoras.

Enfim, os atores já estão no palco. Resta-nos, portanto, o ato mais abstruso: saber o papel de cada um. Somente um bom roteiro fará com que todos entrem em cena e representem uma linda história com final feliz.

sábado, 10 de maio de 2008

Uma abordagem sincera


Luiz Fernando Guimarães viveu Salgado, o Super Sincero do programa Fantástico. Escrevi um episódio para aquele quadro, mais ou menos assim.

No foyer do teatro, Salgado avista duas gatas sozinhas: uma loura e uma morena. Analisa o material e vai ao ataque.

– Boa noite.

– Boa noite – respondem, ao mesmo tempo.

– Estão sem companhia masculina ou vocês são namoradas?

– Como? Não entendi a sua pergunta? – se irritam.

– Bom. Eu perguntei se são namoradas. Sabe como é, hoje em dia isso é normal...

– Por quê? A gente tem cara de lésbica? – a morena rebate.

– Não! Pelo amor de Deus... não me levem a mal. Muito pelo contrário. Vocês não se parecem com lésbicas. Vocês têm cara é de solteironas mesmo, à procura (riso).

– O quê?! Grosso! – desconsertadas, elas se afastam.

– Olha, desculpe a sinceridade – insiste Salgado. – É que mulher solteira trata melhor o visual. Está sempre bonitinha, cheirosinha... e casada vira um bucho só, não é mesmo? E vocês são lindas. Estão bem saradas, em plena forma. Difícil imaginar que seriam casadas – Salgado remenda.

(pausa)

– Você acertou. Nós somos solteiras – lisonjeadas entreolham-se, confirmando a teoria de Salgado.

– Viu? Solteiras. Eu estava certo.

(pausa)

Estão à procura de marido?

(todos riem “sem graça”)

– É. Quem sabe? – a lourinha responde.

– Acho que não é uma boa idéia – Salgado se contrapõe à opinião da menina.

– Por quê?

– Nada contra. Mas, pela minha lógica, se vocês casarem, a beleza acaba. Esses peitões murcham, essa bundinha durinha de ciclista que você tem cai, as estrias e celulite se espalham pelo corpo. Uma desgraça. Até esse seu buço aí vira bigode.

– Bobagem – rebate a morena. Eu tenho várias amigas casadas que são lindas até hoje.

– Eu também – a loura acrescenta. A minha irmã está casada há 20 anos, teve três filhos, e é m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-a!

– Eu sei, eu sei – Salgado, bem sincero, se explica. – Não estou generalizando. É que a maioria relaxa um pouco. Eu mesmo fui casado até o dia em que a minha mulher não conseguia mais amarrar as próprias sandalhas. Ficou tão gorda, tão feia que até pra dá o chute na bunda dela foi difícil.

– Cruzes! Você é muito machista – a loura se indigna.

– Machista não, eu sou é sincero!

– Deu pra perceber – a morena constata.

– Eu que não podia mais viver com uma rinoceronte em casa. Lugar de bicho é no zoológico ou no circo – Salgado faz uma piada sincera.

– Tadinha – se condoem.

(pausa)

– E você? Está à procura? – a loura pergunta.

– Você diz casar de novo? – Salgado confirma a pergunta.

As meninas balançam a cabeça, concordando.

– Não. Já vivi esta experiência – descarta. – Agora estou em busca de novas experiências, tipo: sair para as baladas, xavecar as solteironas, assistir a uma boa peça, tomar uns vinhos, dar uns beijinhos, arrastá-las para o motel e transar a noite toda.

– Nossa! – a loura se assusta. E você consegue conquistar alguma mulher assim, com esse papo prá lá de sincero?

– Vou abrir o meu coração pra vocês...

– Mais ainda? – a morena ironiza.

– Ultimamente está meio difícil... – lamenta-se Salgado.

– E você nem desconfia, qual seja o motivo?

– Eu acho que têm muitas lésbicas, por aí.

– Ah. As lésbicas de novo – diz a morena.

– Pois é. As mulheres estão se dando muito bem, uma com outra. Esse negócio de homossexualismo vem se alastrando. É uma praga. Pega em homem, pega em mulher. Daqui a pouco até criança vai poder ter orientação sexual. As solteironas que se cuidem, esse estágio já é um passo para colar o velcro – Salgado faz o diagnóstico rindo animadamente.

– Colar o velcro? – a loura bóia.

A morena explica. – É Lurdinha. Colar o velcro, cruzar os bigodes, botar as aranhas pra brigar, entendeu? –

– Ahn.

– Vocês não concordam comigo? Salgado pergunta. – Mulher, mulher mesmo, está virando artigo de raridade.

– Eu não acho que seja isso. O problema é que você é muito sincero. Por isso que fica assim, na mão. Sinceridade demais machuca – resume a morena.

– É. Espanta a freguesia – a loura acrescenta.

– Então vocês preferem um homem mentiroso, a um super sincero como eu?

– Não um mentirooooso... mas eu diria: habilidoso com as palavras – a morena esclarece.

A lourinha arremata – Alguém que fale o que gostaríamos de ouvir, tipo um galanteio, um elogio...

– Ué? E tudo isso não pode ser dito com sinceridade? – Salgado desconta.

– Claro – respondem. – Mas não tão diretamente, como você faz.

– Entendo. Então eu posso tentar de novo?

– Pode! – empolgam-se as duas em coro.

Salgado dá dois passos para trás e começa novamente.

– Boa noite.

– Boa noite – as meninas respondem, ao mesmo tempo.

– Estão com os namorados ou sozinhas?

– Estamos juntas.

– São amigas?

– Não. Somos namoradas.

Elas se beijam.