terça-feira, 14 de abril de 2009

Sabe tese?

Sabe tese, de faculdade? Aquela que defendem? Com unhas e dentes? Pois é, o escritor Mário Prata começa assim sua definição sobre o universo em torno deste temível trabalho acadêmico. Digo isso porque estou vivendo esse momento. A gente nunca sabe o tema que vai abordar. Quando me matriculei na Pós, estava mais interessado em saber da grade curricular, quais as matérias seriam ministradas ao longo do curso. A gente vai estudando Marketing, Gestão Estratégica, Comunicação Integrada e, lá pelas tantas, eis que chega a hora do projeto de monografia. Escolha o tema aí e o defenda. Mas como? Assim, na bucha?

Quem está na vida acadêmica, como eu, e ainda não pensou no tema da monografia, pode parar agora. É melhor prevenir do que remediar. Se eu tivesse que entrar em outro curso acadêmico agora, já iria levar dentro do meu estojo de lápis de cor a monografia pronta! Deixar pra cima da hora dá mais trabalho ou vai lhe custar um trocado comprando uma feita.

Para minimizar a minha aflição e colaborar com meus colegas formandos vou sugerir dois temas, jamais presenciados por alguma banca nesse país. Temas que gostaria de defender nos próximos cursos.

1) Por que o rico é bonito e o pobre é feio? Um estudo sobre a beleza nacional.
2) Quem vê cara, não vê coração: o poder dos estereótipos na construção da imagem pessoal.


E você? Já sabe o que vai abordar no seu projeto de pesquisa? Manda uma sugestão pra mim. Um grande abraço.

Leia abaixo o texto de Mário Prata. Este vale à pena:

Crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo em 7 de outubro de1998.

Sabe tese, de faculdade? Aquela que defendem? Com unhas e dentes? É dessa tese que eu estou falando. Você deve conhecer pelo menos uma pessoa que já defendeu uma tese. Ou esteja defendendo. Sim, uma tese é defendida. Ela é feita para ser atacada pela banca, que são aquelas pessoas que gostam de botar banca.

As teses são todas maravilhosas. Em tese. Você acompanha uma pessoa meses, anos, séculos, defendendo uma tese. Palpitantes assuntos. Tem tese que não acaba nunca, que acompanha o elemento para a velhice. Tem até teses pós-morte. O mais interessante na tese é que, quando nos contam, são maravilhosas, intrigantes. A gente fica curiosa, acompanha o sofrimento do autor, anos a fio. Aí ele publica, te dá uma cópia e é sempre - sempre – uma decepção. Em tese.

Impossível ler uma tese de cabo a rabo. São chatíssimas. É uma pena que as teses sejam escritas apenas para o julgamento da banca circunspecta, sisuda e compenetrada em si mesma. E nós? Sim, porque os assuntos, já disse, são maravilhosos, cativantes, as pessoas são inteligentíssimas. Temas do arco-da-velha. Mas toda tese fica no rodapé da história. Pra que tanto sic e tanto apud? Sic me lembra o Pasquim e apud não parece candidato do PFL para vereador? Apud Neto.

Escrever uma tese é quase um voto de pobreza que a pessoa se autodecreta. O mundo pára, o dinheiro entra apertado, os filhos são abandonados, o marido que se vire. Estou acabando a tese. Essa frase significa que a pessoa vai sair do mundo. Não por alguns dias, mas anos. Tem gente que nunca mais volta. E, depois de terminada a tese, tem a revisão da tese, depois tem a defesa da tese. E, depois dadefesa, tem a publicação. E, é claro, intelectual que se preze, logo em seguida embarca noutra tese. São os profissionais, em tese.

O pior é quando convidam a gente para assistir à defesa. Meu Deus, que sono. Não em tese, na prática mesmo. Orientados e orientandos (que nomes atuais!) são unânimes em afirmar que toda tese tem de ser - tem de ser! - daquele jeito. É pra não entender, mesmo. Tem de ser formatada assim. Que na Sorbonne é assim, que em Coimbra também. Na Sorbonne, desde 1257. Em Coimbra, mais moderna, desde 1290. Em tese (e na prática) são 700 anos de muita tese e pouca prática. Acho que, nas teses, tinha de ter uma norma em que, além da tese, o elemento teria de fazer também uma tesão (tese grande). Ou seja, uma versão para nós, pobres teóricos ignorantes que não votamos no Apud Neto. Ou seja, o elemento (ou a elementa) passa a vida a estudar um assunto que os interessa em nada. Pra quê? Pra virar mestre, doutor? E daí? Se ele estudou tanto aquilo, acho impossível que ele não queira que a gente saiba a que conclusões chegou. Mas jamais saberemos onde fica o bicho da goiaba quando não é tempo de goiaba. No bolso do Apud Neto?

Tem gente que vai para os Estados Unidos, para a Europa, para terminar a tese. Vão lá nas fontes. Descobrem maravilhas. E a gente não fica sabendo de nada. Só aqueles sisudos da banca. E o cara dá logo um dez com louvor. Louvor para quem? Que exaltação, que encômio é isso? E tem mais: as bolsas para os que defendem as teses são uma pobreza. Tem viagens, compra de livros caros, horas na Internet da vida, separações, pensão para os filhos que a mulher levou embora. É, defender uma tese é mesmo um voto de pobreza, já diria São Francisco de Assis. Em tese.

Tenho um casal de amigos que há uns dez anos preparam suas teses. Cada um, uma. Dia desses a filha, de 10 anos, no café da manhã, ameaçou:Não vou mais estudar! Não vou mais na escola. Os dois pararam - momentaneamente - de pensar nas teses. - O quê? Pirou? - Quero estudar mais, não. Olha vocês dois. Não fazem mais nada na vida. É só a tese, a tese, a tese. Não pode comprar bicicleta por causa da tese. A gente não pode ir para a praia por causa da tese. Tudo é pra quando acabar a tese. Até trocar o pano do sofá. Se eu estudar vou acabar numa tese. Quero estudar mais, não. Não me deixam nem mexer ais no computador. Vocês acham mesmo que eu vou deletar a tese de vocês? Pensando bem, até que não é uma má idéia!

Quando é que alguém vai ter a prática idéia de escrever uma tese sobre a tese? Ou uma outra sobre a vida nos rodapés da história? Acho que seria um tesão.