sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Opinião ou Ponto-de-Vista

É inerente à natureza humana a exigência de adotarmos um padrão, um modelo, uma conduta, uma “maneira de ser e de pensar”, elementos que nos caracterizam como ser estereotipado. Estamos a todo tempo sendo compelidos a nos posicionarmos à esquerda, à direita, a favor, contra ou ao centro. Você é contra ou a favor do aborto? E sobre homossexualismo? É legítima a república Bolivariana de Hugo Chávez? Você aceita Jesus como seu salvador? Você acredita em Deus?

No mundo de franca expansão e de mudanças constantes, há quem prefira ser uma metamorfose ambulante a ter uma opinião formada sobre tudo. São os agnósticos, anarquistas, botafoguenses e homens de pouca fé. Afinal, por que se acorrentar a valores, dogmas, princípios, certezas se um tornado enfurecido pode botar tudo de pernas para o ar?

Diante do advento do neoliberalismo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um social democrata, teria dito "esqueça tudo o que escrevi no passado. O mundo mudou." FHC nega a citação.

No momento em que tomamos ou mudamos de posição, somos promovidos a guardião dessa verdade. E mais. Passa a ser quase uma obrigação corporativista tornar todos ao redor no mais novo adepto. “Bené, o lance agora é vender tóxico”, dizia o Zé Pequeno ao seu comparsa, em Cidade de Deus - o filme.

Na tentativa de convencer o próximo a maioria não consegue. Há pessoas com poder de convencimento inato: são nazi-estrategistas; e há pessoas que sofrem pela falta dessa habilidade. Para tanto, todos querem tecer opiniões inteligentes, mostrar um ponto-de-vista sem igual. Não conseguem, por não entender que há diferença entre o que é opinião e o que é ponto-de-vista.

A fórmula é a seguinte: enquanto a opinião é íntima e pessoal, o ponto-de-vista é coletivo, algo a ser compartilhado. Opinião pode ser dita da boca para fora, sem comprometimento com a verdade, é o aquilo que eu acho e pronto. O ponto-de-vista não. Este tem a sua razão de existência em fundamentos plausíveis e coerentes, com os quais a legitima enquanto um novo olhar, outra perspectiva lançada sobre o tema.

Saber essa diferença pode estar a chave para sermos satisfatoriamente compreendidos. Portanto, saber o que se fala – se é uma inofensiva opinião ou um ponto-de-vista sensato – faz toda a diferença. Pelo menos é o que eu acho.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Papo Cabeça

– Filho, venha aqui. Tô pensando em assinar uma revista pra você.
– Pra quê? Eu não leio revista!
– Mas deveria. Você prefere a Superinteressante ou a Galileu?
– Galileu?
– É, Galileu. A concorrente da Superinteressante. São revistas de variedades, que trazem informações sobre o mundo.
– Ah, pai. Eu não quero saber nada sobre o mundo. Qualquer coisa eu ligo na Discovery.
– Eu sei, filho. Mas, as revistas são fontes de pesquisa, de consulta...
– Pra pesquisar eu busco no Google.
– Tá bom. Olha só, Discovery, Google são ótimos, mas eles não vão despertar em você a curiosidade pelo saber. O conhecimento, filho, vai abrir seus olhos para outras coisas.
– Como assim?
– É, filho. Já tá na hora de você se interar com o que acontece ao seu redor. Você precisa sair dessa inércia intelectual. Deixar de lado esse universo sombrio de joguinhos de videogames, RPG, Counter Strike, Naruto e ...
– Naruto não é jogo, é anime.
– Na verdade, filho. Na sua idade... têm coisas que você precisa conhecer. Só através do interesse, você vai abrir as portas do futuro. À medida que você fica sabendo mais, suas asas vão aumentando, suas asas vão crescendo...
– Coé, pai. Pirô o cabeção?
– Não filho, ainda não. Estou usando uma metáfora pra você entender melhor. A gente recorre a metáforas quando a gente quer explicar uma coisa complicada. Aí, a gente usa o sentido figurado, captou?
– Anh...
– Então, como eu dizia. Quanto mais curioso você for, maiores serão suas chances de se dar bem com elas. Você pode alçar vôos mais altos, pousar em galhos remotos e provar as frutas mais saborosas. As pessoas que têm asas curtas sequer experimentam a fruta.
– Saquei.
– Pois é, filhote. O pai mesmo. Se eu não tivesse estudado, talvez estaria ainda lá em Campo Grande, de bobeira numa esquina, esperando que alguém me arrumasse um trampo. Não teria dinheiro pra sair, namorar, nem iria conhecer sua mãe. Você nem teria nascido! Eu vejo lá meus amigos de infância, no maior miserê, pilotando vans, anotando o Jogo do Bicho. O estudo me libertou daquela vida.
– Legal, pai. Legal esse papo...
– Você entendeu aonde o papai quer chegar?
– Claro, pai, claro.
– Então. Vai de Super ou de Galileu?
– Ah. Depois de tudo que o senhor me disse, acho que não precisa assinar nenhuma não.
– Ué, por quê?
– É só o senhor me deixar acessar aqueles sites proibidos.
– Como assim!?
– Como o senhor mesmo disse: têm coisas que eu preciso conhecer, na minha idade, não é?
– É.
– Então. Aí, o senhor disse o lance da metáfora. Quanto mais curioso eu for, maiores serão minhas chances de me dar bem com elas. Pô, quando o senhor disse que tem gente que nem experimenta a fruta, me deu uma baita sede de saber.