
Costumo cochilar durante as viagens de ônibus. Depois de um dia árduo no trabalho, fica impossível manter as pálpebras abertas. Entre o fechar e o abrir dos olhos, eis que me deparo com uma mulher nua, sentada a dois bancos a minha frente. Esfreguei o rosto, olhei para os lados. Não havia outro passageiro, além de nós dois. O motorista conduzia o veículo com a passividade própria de quem executa muito bem o ofício de transportar vidas, sem se importar com o sexo, raça e crença das pessoas. Estaria eu, portanto, acometido de uma crise psicótica? Ela era real? Uma figura inusitada e inverossímil. Uma Godiva, igualmente nua, dentro de um ônibus!
Um turbilhão de elucubrações insanas e sentimentos primitivos permearam a minha mente ao curso daquele instante. Quem era aquela mulher? Por que estava nua? Por que saiu com os seios desprotegidos, as genitálias à mostra e os pés descalços. Entretanto, o que mais me incomodava não era o fato de estar a um metro daquela criatura perfeita, mas sim dela não esboçar um ar sequer de acanhamento. Assim como o motorista, o sistema solar e a desonestidade dos políticos, a mulher pelada no ônibus estava indiferente a tudo e a todos.
Porém, antes de outro fato impensado acontecesse, como por exemplo, ela partir em minha direção e falar comigo, o óbvio fez-se presente. Um pouco antes do meu destino, a naturista desavergonhada levantou-se. Sem olhar para trás, caminhou para frente do ônibus, onde ficava a saída. Pediu para parar. Pagou a passagem ao motorista, que acenou gentilmente com um simples gesto de cabeça, despedindo-se formalmente daquela convencional usuária do transporte público.
Da janela, pude ver então o rosto daquela inquietante criatura e, como havia imaginado, toda beleza frontal de uma divina escultura. Os peitos, o umbigo, as curvas alongadas e os pelos da vagina, tudo em perfeita harmonia. Infelizmente, o seu olhar, a parte mais reveladora, não deu para conhecer. Enquanto o ônibus partia, ela, já do lado de fora, caminhava em sentido contrário, olhando para o chão. Só me restou contemplar, de forma rápida e derradeira, aquele controvertido ser; e esperar que ela reapareça no próximo sonho de um cochilo urbano.
Obs: Inspirado em fatos reais